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Foto do escritorNatale Molina

ALIMENTAÇÃO E IDENTIDADE: Um convite à reflexão.

A relação entre alimentação e identidade é uma questão profundamente complexa e pertinente, sobretudo quando analisada sob a perspectiva da saúde mental e dos transtornos alimentares. É um tema que nos leva a questionar “somos o que estamos consumindo?".

Vivemos numa era onde o conceito de nutrição parece, em certa medida, escapar do rigor científico, e entrar em um nutricionismo, neste sufixo proposital associado ou reducionismo, uma vez que a nutrição, em alguns casos, parece estar fugindo da ciência objetiva. A imposição de dietas como sendo cada uma delas o único ideal de alimentação tem levado muitas pessoas a um extremismo prejudicial. Não basta mais ser saudável; é preciso fazer exatamente o que está na moda e ser perfeito. Essa busca incessante por padrões alimentares específicos está gerando confusão, ansiedade e insatisfação, criando um ambiente propício para transtornos alimentares.

Nesse cenário, testemunhamos uma transição alarmante em relação aos alimentos. Muitos alimentos, altamente processados e quase sintéticos em sua composição, tornam-se cada vez mais comuns em nossas dietas. Esse fenômeno reflete a industrialização massiva da alimentação, um fenômeno que contribui para a perda da identidade cultural dos alimentos. Eles já não têm sabor ou história. Ou se come em excesso, sem nem sentir o sabor muitas vezes, ou comem baseado na tabela nutricional.

O reducionismo nutricional, centrando-se na classificação de nutrientes como carboidratos, proteínas e gorduras, tem levado à perda da riqueza que a comida pode oferecer em termos de cultura, identidade e experiência sensorial. A comida se tornou uma mera soma de nutrientes, uma fonte de regulação disfuncional, e o ato de comer, uma tarefa mecânica.

O dilema do onívoro, explorado por Michael Pollan, nos relembra de nossa natureza curiosa e inovadora quando se trata de alimentação. Temos a necessidade e a liberdade de experimentar uma variedade de alimentos, mas cada alimento também representa um mistério e um potencial perigo, e, portanto, nossas escolhas alimentares exigem discernimento e cuidado.

Quando perdemos a capacidade de se alimentar intuitivamente?

A dicotomia entre a neofobia (o medo do novo) e a neofilia (a atração pelo novo) exerce uma influência profunda em nossa relação com a comida. Cada novo alimento incorporado em nossa dieta nos molda de alguma forma, influenciando nossa identidade e nossa saúde. Me diz você: Quando começa a tomar suco verde todas as manhãs, ou comer uma super salada todos os dias, você já não se sente uma pessoa muito mais saudável e fica mais motivado a fazer atividades físicas, por exemplo?!

É aí que entra a necessidade de classificar os alimentos, entender sua carga simbólica, cultural e considerar como eles nos tornam mais do que somos ou desejamos ser.

Voltando na história podemos entender um pouco mais a história da alimentação e sua influência na nossa identidade.

Algumas religiões possuem regras sobre o que é ou não apropriado comer, e assim podem ter um impacto significativo na alimentação e na identidade individual, e não pode deixar de ser considerado como fator desencadeante ou mantenedor de transtornos alimentares, como visto em casos de algumas moças que foram canonizadas, que negaram a si mesmas a comida como um ato de devoção.

A história nos mostra que a relação entre comida e identidade não é apenas uma preocupação contemporânea. Na era vitoriana, por exemplo, as expectativas sobre o comportamento alimentar das meninas adolescentes eram rigorosamente controladas. Comer pouco, evitar doces e temperos era visto como um sinal de virtude e feminilidade, enquanto a voracidade alimentar era associada ao desejo sexual, e portanto, precisava ser contido. As normas de etiqueta alimentar eram impostas às jovens como uma forma de moldar sua identidade.

O tratamento dos transtornos alimentares, portanto, deve ser uma abordagem holística que leve em consideração todas as dimensões do ato de comer. A cultura, a história familiar, a busca por pertencimento a grupos desempenham papéis cruciais na construção da identidade alimentar. Reconhecer essas complexas interações é essencial para ajudar nossos pacientes a caminhar pelo labirinto da alimentação de forma saudável e equilibrada.

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