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NATALE MOLINA

Psicóloga

CRP 06/103689

Ataques nas redes: quando o sucesso do outro vira gatilho de ódio

Nos últimos dias, a internet foi palco de um espetáculo lamentável: o direcionamento de ódio à filha caçula de Roberto Justus, uma criança que, por ter nascido em uma família rica, usando uma bolsa de grife, passou a ser alvo de ataques cruéis, incluindo desejos de morte.

Sim, você leu certo: uma criança.


A família Justus, conhecida por sua postura pública afetuosa e pelo discurso de trabalho, união e amor, foi envolvida em uma onda de agressões que, infelizmente, se torna cada vez mais comum nas redes sociais. Mas o que está por trás desse comportamento tão violento e desproporcional?


As redes sociais escancararam o fosso social que existe no Brasil — um país desigual, onde riqueza e privilégios ferem e provocam revolta em muitos. Isso é compreensível do ponto de vista histórico e social. Mas é preciso diferenciar crítica social legítima de ataque pessoal violento.


O que temos visto é o avanço de um fenômeno perigoso: a desumanização do outro. Quando alguém projeta sua dor, frustração e raiva sobre uma figura pública — especialmente uma criança —, estamos diante de um rompimento com os limites básicos da empatia e da civilidade.


A internet transformou-se em tribunal. A todo instante, pessoas são julgadas, condenadas e punidas por viverem uma vida que incomoda — mesmo que essa vida tenha sido conquistada com trabalho e dedicação.


É a "cultura do linchamento digital": um ambiente em que o outro deixa de ser visto como ser humano e passa a ser apenas um símbolo do que desperta raiva ou frustração. E quando se perde a capacidade de ver o outro como gente, tudo passa a ser permitido — inclusive desejar a morte de uma criança.

Nem todo ódio nas redes nasce da inveja. Muitas vezes, ele nasce da idealização que o espectador cria sobre a vida de quem assiste. A figura pública vira uma tela onde cada pessoa projeta seus desejos, expectativas, valores e fantasias — muitas vezes sem nem perceber.


A idealização é confortável: “essa pessoa é como eu”, “ela pensa como eu”, “ela representa o que eu acredito”. Mas quando essa ilusão se quebra — porque o outro mostra algo diferente, toma decisões que frustram a fantasia do espectador ou simplesmente é livre para ser o que é —, a reação pode ser de profunda decepção. E essa decepção, ao invés de ser elaborada internamente, se transforma em raiva e ataque.


É como se o outro tivesse a obrigação de corresponder à imagem que foi projetada sobre ele. E quando isso não acontece, ele se torna "traidor", "insuportável", "cancelável".


Esse mecanismo pode ser tão inconsciente quanto destrutivo ( às vezes consciente sim e sempre destrtutivo também) — tanto para quem recebe o ataque quanto para quem vive nesse ciclo emocional de idealização e ruptura. As redes sociais, com sua dinâmica de exposição contínua e superficialidade de vínculo, potencializam esse fenômeno.


É preciso falar sobre isso com seriedade. Quando a sociedade começa a normalizar o ódio como resposta, abrimos espaço para que o ressentimento se torne regra — e não exceção. E isso é devastador não só para quem é alvo das agressões, mas para quem agride também.


Ódio não é posicionamento político. Não é discurso crítico. Não é justiça social. Ódio é sinal de adoecimento.

Esse caso revela uma ferida coletiva: a dificuldade em lidar com a frustração de não ter o que o outro tem — e a incapacidade de transformar isso em reflexão, não em ataque. Precisamos urgentemente resgatar a noção de humanidade, compaixão e responsabilidade nas nossas interações digitais.


Se você sente raiva de ver o outro bem, talvez a pergunta não seja “por que ele tem e eu não?”, mas sim: o que eu posso fazer com o que sinto — além de ferir os outros com minha dor?

 
 
 

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